Fundo de pensão dos
Correios sofre intervenção
Investigado pela PF e com déficit de mais de R$ 7
bilhões, Postalis será administrado por um interventor por 180 dias. Diretores
e conselheiros são afastados e seus bens estão indisponíveis
Alvo de investigação da Polícia Federal (PF) por suspeita de abrigar um
esquema de corrupção, o Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos
Correios, teve sua intervenção decretada nessa quarta-feira pela
Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) por 180 dias.
A
portaria, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de ontem, não detalha os
motivos da decisão. Cita apenas “descumprimento de normas relacionadas à
contabilização de reservas técnicas e aplicação de recursos”. Mas o fundo de
pensão dos empregados dos Correios tem sido foco de episódios de fraude e
má-gestão nos últimos anos.
Em
abril, o Tribunal de Contas da União (TCU) bloqueou os bens de cinco
ex-diretores do Postalis, após auditoria da corte detectar prejuízos de R$ 1
bilhão em sete negócios da entidade. A direção do Postalis é indicada pela
diretoria dos Correios.
Historicamente, porém, tanto o comando da estatal quanto o do seu fundo de
pensão são indicações políticas.
Também por má-gestão e irregularidades, o Postalis vem acumulando sucessivos
déficits, o que obriga os próprios participantes do fundo a cobrir os rombos.
Até o fim do ano, calcula-se que as aposentadorias dos beneficiários do fundo
deverão ter perdas de 20%.
O Postalis tem dois planos de previdência, o mais antigo é o que registra
déficit, de R$ 7,4 bilhões. Esse plano reúne 84,2 mil participantes e todos
contribuem para cobrir o saldo negativo. Atualmente, a contribuição adicional
acumulada é de 17,92% dos vencimentos mensais. A direção do fundo admitiu a
possibilidade de propor terceira cobrança adicional para ajudar a conter o
rombo registrado em 2016.
Em agosto, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF),
acolheu pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e autorizou abertura de
inquérito para investigar o suposto envolvimento do senador Renan Calheiros
(PMDB-AL) com um esquema de corrupção que agia no Postalis. Segundo a PGR, ao
menos, dois delatores da Lava-Jato relataram a suposta influência de Renan sobre
o fundo de pensão dos funcionários dos Correios. A suspeita é de um desvio de
mais de meio bilhão de reais.
Em maio, o Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal já havia
apresentado denúncia contra oito pessoas acusadas de fraudes no Postalis. As
fraudes teriam gerado um rombo de R$ 450 milhões. As irregularidades envolviam
a venda de títulos superfaturados no mercado de capitais entre 2006 e 2011.
O
Postalis é o quarto maior fundo de pensão do país em número de participantes.
Ao lado dos três primeiros do ranking – Previ (Banco do Brasil), Petros
(Petrobras) e Funcef (Caixa) – é alvo de investigação pela Operação Greenfield.
Segundo a PF, o prejuízo causado aos fundos está estimado em R$ 8 bilhões.
De
acordo com os investigadores, os fundos de pensão usam Fundos de Investimentos
em Participações (FIPs), para adquirir participação acionária em empresas. As
aquisições de cotas do FIP eram precedidas de avaliações econômico-financeiras
irreais e tecnicamente irregulares, com o objetivo de superestimar o valor dos
ativos da empresa, aumentando, de forma artificial, a quantia total que o fundo
de pensão deveria pagar para adquirir a participação acionária indireta na
empresa.
Os
quatro gigantes do setor também foram investigados pela Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) dos Fundos de Pensão, na Câmara dos Deputados. A CPI, criada
para investigar o mau uso de recursos financeiros no Postalis, Previ, Petros e
Funcef entre 2003 e 2015, apurou 15 casos com indícios de fraude e má gestão de
fundos de previdência complementar de funcionários das estatais e servidores
públicos.
Após oito meses de trabalho, o relatório final, divulgado em abril de 2016, pediu o indiciamento de 353 pessoas e empresas e estimou um prejuízo de R$ 4,26 bilhões nos quatro fundos.
Após oito meses de trabalho, o relatório final, divulgado em abril de 2016, pediu o indiciamento de 353 pessoas e empresas e estimou um prejuízo de R$ 4,26 bilhões nos quatro fundos.
RECUPERAÇÃO OU LIQUIDAÇÃO
A
intervenção busca preservar os direitos dos participantes dos fundos de pensão,
segundo a lei dos regimes de previdência complementar. Ela é decretada quando o
governo identifica alguma irregularidade nas contas ou na gestão da entidade. É
criada uma comissão de inquérito para investigar as irregularidades em um prazo
de quatro meses, que podem ser prorrogados.
Há duas
saídas nessa situação: a aprovação do plano de recuperação ou liquidação
extrajudicial, caso fique constatado que o fundo não seja mais viável ou não
tenha condições pra funcionamento. Foram os casos da Aeros (Vasp) e Aerus
(Varig), cujas liquidações foram decretadas em 2005 e 2014, respectivamente.
Se forem comprovadas irregularidades, os responsáveis poderão sofrer penas
administrativas, como advertências, multas ou inabilitação para exercer cargos
em empresas. Caso sejam encontrados indícios de crimes, serão encaminhados ao
Ministério Público.
Na intervenção, a Previc afasta membros da diretoria executiva, do conselho
deliberativo e do conselho fiscal. Também declara a indisponibilidade dos bens
desses membros e dos que ocuparam esses postos no último ano.
Serão
afastados o presidente em exercício do Postalis, Christian Perillier Schneider;
o diretor de benefícios em exercício, Luiz Alberto Menezes Barreto; os
integrantes titulares e suplentes do Conselho Deliberativo Sergio Maurício
Bleasby Rodrigues, Miguel Martinho dos Santos Junior (presidente), Máximo
Joaquim Calvo Villar Junhior, Areovaldo Alves de Figueiredo, Vinicius Moreno,
Hudson Alves da Silva e Angela Rosa da Silva; e também do Conselho Fiscal
Angelo Saraiva Donga (presidente), Juliano Armstrong Arnosti e Cicero Ricardo
de Santa Rosa.
A Previc afirmou que a intervenção não afeta os pagamentos dos benefícios do
fundo, que devem continuar normalmente. Foi nomeado como interventor Walter de
Carvalho Parente, que já fez o mesmo trabalho no fundo de pensão Serpros, dos
funcionários do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).
SÉTIMO NA MIRA DO XERIFE
O
Postalis é o sétimo fundo de previdência complementar que foi alvo de
intervenção do xerife do setor, a Previc, autarquia ligada ao Ministério da
Fazenda. Também tiveram intervenção decretada pelo órgão regulador Capaf, do
Banco da Amazônia (de 2011 a 2016); Silus, da estatal gaúcha Companhia Estadual
de Silos e Armazém (Cesa), em 2011; Geapprevidencia, dos funcionários dos
Ministérios da Previdência, Trabalho, Saúde e Funasa, (de 2013 a 2017); Portus,
patrocinado pela antiga Portobrás (de 2011 a 2016); e Serpros (de 2016 a 2017);
Fundação CEEE, o maior fundo de pensão do Rio Grande do Sul, que reúne
funcionários de empresas de energia elétrica (este ano). Segundo a Previc,
todos os fundos continuam ativos e os aposentados estão recebendo o benefício.
(Com agências)
Gigantes
deficitários
Além do Postalis, os outros três maiores fundos de pensão do país enfrentam
problemas de caixa
Previ (Banco do Brasil)
A administração da Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, é considerada
mais responsável por especialistas. No entanto, há um plano no fundo do BB cujo
déficit alcança R$ 13,1 bilhões e que reúne contribuições de 103,1 mil
profissionais. Por enquanto, esses funcionários não sofrem com descontos, já
que os investimentos feitos pela Previ renderam, nos últimos anos, o suficiente
para equacionar parte do rombo. Essa tendência, porém, pode mudar se os
investimentos não remunerarem, neste ano, o suficiente para cobrir o resultado
negativo de R$ 1,44 bilhão de 2016.
Petros (Petrobras)
Com alto déficit, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, o Petros. Em
setembro, foi anunciado que os cerca de 77 mil participantes do fundo – entre
empregados da ativa e aposentados – terão de pagar parcelas extras de R$ 236 a
R$ 3,6 mil mensais ao longo de 18 anos como parte do plano para equacionar um
rombo de mais de R$ 27,7 bilhões acumulado entre 2013 e 2015. Hoje, o
participante já paga como contribuição regular alíquota que varia de 3% a
14,5%. O acordo prevê que a Petrobras deverá gastar R$ 12,8 bilhões ao longo
desse mesmo período para equacionar o déficit do Petros. Apenas no primeiro
ano, o desembolso previsto para a empresa será de R$ 1,4 bilhão. Já a BR
Distribuidora entrará com R$ 900 milhões.
Funcef (Caixa)
Ações trabalhistas contra a Caixa podem resultar em uma perda adicional de R$
6,35 bilhões para a Funcef, fundo de pensão dos funcionários da estatal. Um dos
planos que estão no centro da disputa (o REG/Replan saldado), já tem um rombo
de R$ 5,4 bilhões, sendo um quarto disso de ações trabalhistas. O outro
(REG/Replan não saldado) teve um déficit de R$ 1,2 bilhão em 2016, quase metade
oriundo de passivos trabalhistas. Desde o ano passado, para bancar um déficit
de R$ 7,7 bilhões, os quase 57 mil participantes do REG/Replan Saldado já
estavam tendo descontados 2,78% dos contracheques e aposentadorias para cobrir
o rombo de 2014. Para cobrir o rombo de 2015, a tarifa adicional subiu para
10,68% ao mês pelo período de 17 anos e meio. Pela primeira vez, os 5,5 mil
participantes do REG/Replan Não Saldado também foram convocados para a
contribuição extra. As taxas variam de acordo com o nível dos salários e
benefícios dos participantes – de 2,53% ao mês a 22,91% ao mês por quase 20
anos.
SAIBA MAIS
O que são fundos de pensão
São uma opção de investimento que visa à
aposentadoria complementar ao trabalhador. São oferecidos pelas empresas aos
seus trabalhadores, de modo que elas contribuem com uma parte do valor e o
restante é descontado do trabalhador. Só podem ser cotistas de fundos de pensão
os empregados de uma empresa patrocinadora e os servidores da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios e também os associados ou membros
de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial. Oferecidos
por empresas públicas e privadas aos empregados e também por associações, os
mais de 700 fundos de pensão em operação no país administram, atualmente, um
patrimônio estimado em R$ 800 bilhões. Rombos seguidos fazem com que os
participantes dos planos tenham de pagar contribuições extras para evitar um
colapso futuro no fluxo de benefícios. O total de participantes ativos nos
fundos supera 2,5 milhões e os assistidos chegam a mais de 735 mil, segundo a
Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar
(Abrapp).
enquanto isso...
...Déficit R$ 6 bilhões maior em seis meses
O déficit acumulado das fundações
brasileiras cresceu de R$ 71,7 bilhões no fim do ano passado para R$ 77,6
bilhões no fim de junho, segundo dados divulgados pela Associação Brasileira
das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp). O déficit é a
diferença entre o patrimônio de um plano e seus compromissos com pagamentos
atuais e futuros. Segundo o balanço da Abrapp, dos 681 fundos de pensão no
país, 220 apresentam déficit, ao passo que 461 registram superávit. O rombo
cresce há sete anos e atinge, sobretudo, fundos de pensão de estatais, como o
Petros (Petrobras), Funcef (Caixa) e o Postalis (Correios). Do déficit total,
88% do valor está concentrado em apenas 10 planos, segundo a associação. O
total de participantes ativos nos fundos supera 2,5 milhões e os assistidos
chegam a mais de 735 mil, segundo a associação. A Abrapp informou também que os
ativos totais do sistema somavam R$ 808 bilhões em junho. A rentabilidade média
do setor no primeiro semestre foi de 4,24%, pouco abaixo da meta atuarial de
4,44%.
Por Vera Schmitz, no em.com.br
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