quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Para além da revisão da meta


Todos os sinais são de que o governo federal vai precisar revisar a meta de resultado fiscal primário deste ano e provavelmente de 2018.
O déficit primário será maior que os R$ 139 bilhões hoje assumidos. Não haverá razão, contudo, para encarar esse resultado como algum tipo de descompromisso com a meta. Se o mercado ler a inevitável revisão como leniência, estará errado. A revisão também será feita por pressão política e porque a reforma da Previdência atrasou, mas não só.
O que está acontecendo é uma nova frustração de receitas combinada com um corte de despesas que está indo além do que seria necessário para cumprir a regra constitucional do teto de gastos. O governo chegará a 31 de dezembro de 2017 com folga para gastar. Mas não vai fazê-lo por conta de resultado primário. O Brasil tem um novo problema, que é não conseguir arrecadar para gastar o que a lei permite.
Despesas não obrigatórias caíram 16% no 1º semestre
Para além de ser carimbado como um fracasso, o déficit fiscal embute uma face real. Que o digam as famílias que estão na fila para receber o Bolsa Família (mais de 500 mil, segundo reportagem de Edna Simão, publicada na segunda-feira pelo Valor); os fiscais do Ibama que não conseguem abastecer os carros que usam para exercer a fiscalização que lhes compete; os usuários do programa Farmácia Popular, que está encolhendo; as defesas de teses de mestrado e doutorado que só podem ter o professor externo por videoconferência; e a força-tarefa da Operação Lava-Jato, que viu o contingente ser reduzido.
Entre outros, esses exemplos são a face real da contenção de 16% nas despesas discricionárias (não obrigatórias) da União no primeiro semestre deste ano em relação ao ano passado. O Brasil precisa gastar menos, mas isso exige revisão das despesas obrigatórias e dos subsídios e benefícios fiscais vigentes, alguns deles concedidos há décadas.
O governo começou o ano prevendo uma receita líquida de R$ 1,187 trilhão. A atividade fraca, o desemprego e algumas contas erradas lhe tiraram R$ 38 bilhões e hoje a previsão está em R$ 1,149 trilhão. Esse número ainda é otimista porque a segunda leva da repatriação deixou um buraco de R$ 10 bilhões e valor semelhante pode ficar de fora se o governo não conseguir levar à leilão (e vender) as usinas da Cemig.
A novidade da gestão fiscal brasileira é cortar despesas e ainda assim ser obrigado a revisar o déficit primário. O teto será facilmente cumprido neste primeiro ano.
Até maio, o governo federal gastou R$ 597,4 bilhões, o equivalente a 43% do teto de R$ 1,309 trilhão. Sobram R$ 711 bilhões para os próximos seis meses. Algumas despesas - décimo-terceiro de aposentados e do funcionalismo, por exemplo - são mais fortes no segundo semestre, mas ainda assim o próprio governo projeta uma "folga" no teto. No último boletim bimestral de acompanhamento das receitas e despesas da União, o Ministério do Planejamento projetou que as despesas totais de 2017 vão somar R$ 1,253 trilhão (mas algumas estão fora do teto).
No último boletim de avaliação fiscal e macroeconômica, a Instituição Fiscal Independente (IFI) retomou cálculos iniciados em maio e que mostram que, entre o teto de 2017 e as despesas obrigatórias, o governo tem uma margem de R$ 120 bilhões, mas algumas das despesas discricionárias embutidas nessa margem são necessárias para o funcionamento de despesas obrigatórias. Um exemplo dado pelos analistas do IFI são as taxas de administração pagas às instituições financeiras em empréstimos do Fies, o fundo da educação superior.
Mesmo com folga para cumprir o teto, o contingenciamento em vigor pode fazer a máquina parar em agosto. Por isso, embora haja novidades na política fiscal, o Brasil continua olhando para o curto prazo quando se trata de contas públicas, enquanto uma revisão da política tributária dorme há décadas no governo e não consegue furar os lobbies do Congresso.
O país ainda precisa pensar em um modelo mais justo de tributação e de gasto. Nesse sentido, algumas alternativas têm sido discutidas: aumentar a tributação sobre os lucros, reduzir as renúncias fiscais e repensar despesas obrigatórias.
O relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que analisou as contas de 2016 (metade Dilma Rousseff, metade Michel Temer) apontou que o governo gastou R$ 377,8 bilhões entre benefícios tributários, previdenciários, financeiros e creditícios. E mais: ao dividir a renúncia de receitas por região, a média per capita do Sudeste foi de R$ 1.833, enquanto no Nordeste ela foi de R$ 953 por habitante, segundo o artigo "Desonerações Tributárias e Desigualdades", de Tathiane Piscitelli, no blog "Fio da Meada", abrigado no site do Valor.
Em um estudo do ano passado, os técnicos do Ipea Sérgio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair (Texto para Discussão 2190, "Progressividade Tributária: a Agenda Negligenciada") debatem a necessidade de um sistema tributário mais justo. Eles lembram que "o Brasil é também é um dos poucos no mundo em que os dividendos distribuídos a acionistas de empresas estão totalmente isentos de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF)", uma isenção introduzida em 1995. Eles também mostram como, no Brasil, a tributação da renda é bem menor, proporcionalmente, àquela dos países ricos e também de pares latino-americanos.
Na discussão das despesas obrigatórias, listase o congelamento dos ultimos reajustes de algumas categorias de servidores. De novo, é preciso pôr a lupa para não tratar como iguais os desiguais. Entre as categorias que receberam reajuste no ano passado, ou começo deste ano, estão os servidores do Inmetro, onde estão lotados os menores salários de entrada no serviço público federal: R$ 1.467 de salário-base, que pode chegar a R$ 2.525 com acréscimos distintos. Também receberam reajustes os auditores fiscais da Receita Federal, cujo vencimento de entrada era de R$ 15,7 mil no fim do ano passado.
O governo tem colocado as fichas do ajuste na Previdência, mas 2017 confirmou que não basta. Mesmo na hipótese improvável que a reforma saia do Congresso como enviada, o país precisa rever seus gastos e como e quem paga por eles.

Por Denise Neumann, do Valor Econômico

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