domingo, 6 de agosto de 2017

Conteúdo local no petróleo e barreiras à competição


O Brasil, com um fluxo de comércio internacional de apenas 25% do PIB, é uma das economias mais fechadas a transações de bens e serviços com o resto do mundo.
A exposição limitada à competição global é fonte importante da baixa produtividade de nossa economia. Abandonamos os benefícios do comércio como canal de transmissão de inovações e a seleção darwiniana típica das economias abertas. Nestas as companhias mais produtivas aproveitam o acesso ao mercado externo para se expandir enquanto as menos eficientes tendem a desaparecer, viabilizando a realocação de recursos geradora de aumento da produtividade agregada e do crescimento econômico.
Ao lado dos efeitos negativos sobre a produtividade, as restrições impostas pelo governo à livre competição acabam produzindo oportunidades para corrupção. Entre as diversas barreiras ao comércio, destacam-se as cláusulas de conteúdo local presentes, por exemplo, nas operações do Finame do BNDES e no petróleo e gás.
A exigência de conteúdo local mínimo na exploração e desenvolvimento de projetos de petróleo e gás, existente desde 1999, sofreu drásticas mudanças a partir de 2005. Desde a 7ª Rodada (2005) de Licitação de blocos de petróleo as barreiras foram significativamente levantadas e multiplicadas, com a extensão de conteúdo local mínimo para itens e subitens específicos dos projetos. As companhias de petróleo passaram a ter que atender a cerca de 70 compromissos com a agência reguladora, ANP.
Pior ainda, de acordo com relatório do TCU de 2015, tais exigências foram baseadas em sugestões dos próprios fornecedores, justamente os principais interessados em eliminar a competição, sistemática que levanta dúvidas sobre a lisura das autoridades da época.
Como esperado, a regulação foi bastante prejudicial para a economia brasileira, dadas as várias consequências negativas.
A rigidez regulatória aumentou o poder de monopólio de fornecedores, elevou riscos para investidores e restringiu ainda mais sua liberdade de escolher o que seria melhor do ponto de vista econômico para a execução de seus projetos, lhes causando alta de custos e perdas de eficiência.
A complexidade resultou em maiores custos de transação, atrasos e até cancelamento de projetos, elevadas multas para as petroleiras e grande número de pedidos de waivers para a ANP, conferindo-lhe enorme grau de discricionariedade. Como parte do processo de compliance com o cipoal de cláusulas de conteúdo nacional tornou-se obrigatória a introdução de certificadoras, intermediárias entre as petroleiras e a ANP, em mais um caso de má alocação de recursos.
A regulação diminuiu a produtividade na indústria de petróleo e produziu fornecedores locais ineficientes A regulação diminuiu a produtividade na indústria de petróleo brasileira e produziu fornecedores locais ineficientes e fortemente dependentes de barreiras à competição. Outra implicação negativa foi a perda de receitas para o governo, dada a redução dos valores dos diversos tributos e da arrecadação com os leilões por sua menor atratividade.
Sob a bandeira do nacionalismo, a intervenção do Estado causou severos prejuízos para a economia brasileira e transferiu renda para um pequeno grupo de capitalistas inimigos do capitalismo, os grandes beneficiários das restrições ao funcionamento dos mercados.
É emblemático o preço ofertado pela indústria naval para a construção de uma plataforma para o campo de Libra, 40% superior ao do mercado internacional. A indústria naval brasileira, que se mostrou incapaz de competir em mercado livre de barreiras desde a falência do estaleiro de Mauá em 1860, recebeu subsídios de crédito de R$ 17,5 bilhões em 2007-2016, pagos pela sociedade.
As regras para as novas rodadas de Licitação de 2017 racionalizaram os requerimentos de conteúdo local, diminuindo os percentuais mínimos para as fases de exploração e desenvolvimento e removendo as exigências para itens e subitens.
Ao mesmo tempo, retirou o conteúdo local do critério de julgamento das propostas na Licitação dos blocos. A existência desse último quesito incentivava a superestimação dos compromissos assumidos pelas empresas para ganhar os leilões, o que também concorreu para multas, pedidos de waivers e atrasos de projetos.
A ANP coloca agora em discussão proposta que visa permitir a revisão de compromissos assumidos nos contratos referentes às rodadas de Licitação anteriores, criando a opção de substituí-los pela regulação aprovada em 2017.
Trata-se de um sopro de ar puro no ambiente legal e regulatório substancialmente poluído a que está submetida nossa indústria de petróleo, onde se destaca o viés estatizante que sufoca o potencial de criação de valor de um recurso natural. A proposta da ANP deve ser apoiada, pois melhora a percepção de riscos dos investidores e libera investimentos que estavam represados pela rigidez e irrealismo regulatório. Desagrada as corporações empresariais, mas é boa para economia brasileira.
A regulação ainda padece da assimetria típica das políticas industriais brasileiras: a garantia de uma fatia de mercado para a indústria local não é acompanhada de contrapartidas de padrões mínimos de desempenho. Nesse sentido, seria oportuno o estabelecimento de tolerância máxima de, por exemplo, 10% para preços acima dos vigentes no mercado global.
Apesar dessa omissão, a iniciativa é um avanço, que terá de ser seguida por mudanças legais que declarem a maioridade dos fornecedores locais da indústria do petróleo, com o "phase out" da política de conteúdo local, e o fim do esdrúxulo regime regulatório misto, que compreende a convivência dos regimes de concessão, partilha e cessão onerosa.
A boa herança geológica constitui-se em importante ativo. Entretanto, como sugerem os casos dos Estados Unidos, Austrália e Chile de um lado, e da Venezuela, Nigéria e República Democrática do Congo do outro, a qualidade do arcabouço legal e regulatório é fundamental para transformá-la em efetiva fonte de crescimento econômico no longo prazo. Que o Brasil se alinhe aos exemplos vencedores e abandone os perdedores.

Por Roberto Castello Branco, no Valor Econômico

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