sexta-feira, 29 de julho de 2016

É crível o seguro-garantia como mecanismo anticorrupção nas obras públicas?


A investigação da Lava-Jato tem desvelado a magnitude da prática generalizada de desvio de recursos públicos no Brasil por meio do superfaturamento de contratos, vertendo montantes bilionários para a classe política e as grandes empreiteiras. Com a opinião pública exigindo mudanças, a classe política tem procurado apresentar uma resposta apressadamente. Todavia, isso pode dar espaço para soluções ineficientes.

A ampliação e obrigatoriedade do seguro-garantia com cobertura integral das obras públicas passou a ser vista como medida essencial para extinguir a corrupção. Isso surgiu a partir de sua defesa em uma série de reportagens em revista semanal de grande circulação nacional nos primeiros meses do ano1, e acatada por alguns parlamentares no Congresso Nacional.

A ideia é adotar o modelo americano de performance bondspara obras públicas, baseado na garantia compulsória do valor integral do contrato por seguro, afastando as outras modalidades de caução em dinheiro ou títulos públicos ou fiança bancária, em valores de cobertura de até 10% do valor contratual. Isso incentivaria a Seguradora a fiscalizar de perto a obra – pois depende da fiel execução contratual para não incorrer em perda pelo acionamento do seguro e garantir seu lucro –, passando a ser a verdadeira fiscal da obra, o que criaria uma distância entre a empreiteira e o governo – de fato, uma relação comprovadamente viciada. Chegou-se a defender um percentual de garantia de até 120% do valor contratual da obra (ainda que injurídico), para já permitir cobrir eventuais gastos extras futuros, talvez para aumentar esse incentivo às seguradoras.

Neste contexto, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 59, de 2016, para estabelecer a obrigatoriedade de prestação de seguro-garantia de 100% do valor do contrato em obras, serviços e fornecimento de bens de valor estimado superior a 200 milhões de reais2.Mais recentemente, surgiu o PLS nº 274, de 2016, que torna obrigatória a contratação integral do seguro-garantia nas contratações acima de 10 milhões de reais – com alcance para a administração pública em todas as esferas3.

O foco de sua justificação, todavia, baseia-se no aumento da adesão contratual da empreiteira e não na questão da corrupção. O argumento principal é que os problemas de atrasos e abandonos de obras públicas se associam, primordialmente, à falta de proteção do Poder Público nos contratos com empresas privadas, atribuindo-lhes a responsabilidade por esse quadro. O seguro-garantia, por não ser compulsório e estar limitado a patamar baixo de cobertura, não incentivaria a execução regular dos contratos, que seria dependente da fiscalização pelas seguradoras. Assim, assume que a fiscalização pública, bem como os pagamentos feitos conforme a execução física da obra ou a aplicação de multas por atrasos contratuais, seriam insuficientes para garantir a execução eficiente dos contratos pelas empresas contratadas, que se caracterizariam por uma ineficiência inerente. Apenas a ampliação do seguro-garantia incentivaria a melhor avaliação de risco pela seguradora e garantiria, assim, o fiel cumprimento tempestivo dos contratos.
Na verdade, essa concepção parte de prerrogativa equivocada acerca do funcionamento do mercado de seguros. A garantia compulsória do valor integral do contrato por seguro não irá incentivar a Seguradora a fiscalizar de perto a obra, pois ela não depende da fiel execução contratual para garantir seu lucro. Isso porque o prêmio cobrado para assunção de risco, independentemente do valor coberto, já embute a expectativa de ocorrência de sinistro, que está atrelada ao risco do segurado e da própria viabilidade inerente ao projeto a ser segurado. Ou seja, o risco contratado fica desde já precificado, independentemente de fiscalização da seguradora em relação ao comportamento efetivo do risco assumido ao longo da maturação do contrato. Para isso, faz a avaliação técnica atuarial do tomador e a análise de histórico mercadológico, bem como dos métodos de controle e gerenciamento de riscos adotados na gestão da empresa. Também é prática comum a análise de risco partir da avaliação de anteprojeto executivo da obra, assim como alterações contratuais posteriores já são objeto de anuência pelas Seguradoras, como estabelece a normatização vigente4.
A ocorrência do sinistro torna-se, assim, uma questão meramente probabilística, já embutida na precificação ofertada pela companhia seguradora. Não há incentivo para uma fiscalização mais de perto pela seguradora – se assim o fosse, já ocorreria dentro dos limites atuais de seguro-garantia da Lei de Licitações, mas é antieconômico tanto para o tomador quanto para a companhia seguradora.
Também se parte de uma visão distorcida acerca da qualidade da gestão nas grandes empresas privadas do País, pois o risco de atraso ou abandono de obra pela empreiteira é desprezível. Daí que a constituição de garantia em parcela de até 100% do valor contratual, e não mais no limite vigente de até 10%, não mudará o nível atual de adimplência contratual a partir do cumprimento fiel do contrato pela empresa privada, simplesmente porque sua adesão já é adequada.
Os dados estatísticos divulgados pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) sobre seguro-garantia corroboram essa visão, sugerindo ser baixa a inadimplência de contratações públicas derivada de inadimplência das empresas contratadas: do total de prêmio emitido em 2015 de R$ 1,5 bilhão na contratação de seguro-garantia para o setor público (pago por ele), os sinistros ocorridos totalizaram apenas R$ 54 milhões naquele ano (que é efetivamente devolvido ao setor público). Assim, a cobertura de 100% pode representar um custo da ordem de R$ 20 bilhões apenas com contratação de seguro-garantia, enquanto o retorno aos cofres públicos, derivado da inadimplência da empreiteira, continuará sendo baixo.
Esses dados são coerentes com a realidade empresarial, pois a empresa privada não tem interesse econômico em atrasar a entrega de uma obra, pois sua existência depende da qualidade de seu trabalho. Além disso, no mais das vezes, o causador da paralisação de uma obra ou serviço é o próprio Poder Público, diante de mudanças ou indefinições contratuais, bem como da falta de pagamento por contingenciamento orçamentário. Os atrasos também passam por desacordos comerciais envolvendo questões controversas em que não há como atribuir, de antemão, a responsabilidade exclusivamente ao contratado – como demonstram as inúmeras dessas desavenças que acabam em discussões prolongadas no Judiciário5 –, o que afasta um papel mais amplo ao seguro-garantia.
A proposta de ampliação e obrigatoriedade de cobertura integral do seguro-garantia baseia-se na premissa de que, uma vez que o seguro-garantia cubra valores contratuais mais elevados, as seguradoras teriam maiores incentivos em fiscalizar o andamento dos contratos, constituindo, indiretamente, instrumento de combate à corrupção em obras públicas – mas, para tanto, seria necessário ter ingerência sobre definição de preços. De qualquer forma, é pequena a probabilidade de que a seguradora questione preços que estejam superfaturados. Não há incentivo econômico para esse comportamento, o que inviabiliza a concretização do objetivo dessa proposta.
O próprio conflito de interesse na relação entre seguradora e ente público impõe restrições à atuação da seguradora, pois busca que seu faturamento seja o maior valor possível que possa receber – no caso, preços superfaturados. Ou seja: quanto mais cara uma obra, mais ela ganha. Também não se pode dizer que a Seguradora garantirá o preço mínimo que seja suficiente para a execução do serviço contratado, pois o risco assumido está fixado na apólice, em reais, independente de estar o preço subfaturado ou não6. Daí que a companhia seguradora, dependente dos recursos públicos, não tem espaço suficiente para atuar contra irregularidades promovidas pelos agentes no próprio setor público.
O superfaturamento dos contratos está diretamente associado à dificuldade em definição de preços, dada a singularidade de cada obra e a magnitude dos valores envolvidos, que geram espaço para corrupção. O próprio processo de contratação, baseado em exigências inadequadas, restringe a concorrência e resulta a que apenas poucas grandes empreiteiras do País atuem nesse mercado, o que dá margem à constituição de cartéis, como a Lava-Jato mostrou. A contratação mais ampla do seguro-garantia pode até acentuar essa tendência, que é o cerne da corrupção. No caso da Petrobras, por exemplo, se a Estatal contratar a construção de plataformas com seguro-garantia de 10% ou de 100%, isso não interferirá na definição do preço pago ao contratado, se superfaturado ou não – tão somente impondo custo adicional com o qual a Estatal arcará.
O seguro-garantia integral compulsório traria impactos negativos sobre a concorrência e a concentração de mercado, já que exigiria não apenas um bom perfil de crédito do licitante como, principalmente, elevada capacidade econômico-financeira para prestar contragarantias, em ativos líquidos, às seguradoras, de até 100% do risco contratado – que é da ordem de bilhões de reais para as grandes obras públicas7. Isso inviabiliza, na prática, essa proposta, além de aumentar consideravelmente o custo de contratação pelo Estado, que já é alto.
Por sua vez, atrasos de cronograma já são puníveis com multas estipuladas em contrato, além de imporem, naturalmente, a redução do próprio faturamento e da rentabilidade da empresa pela redução da produtividade. Já há, portanto, incentivos econômicos suficientes para aderência contratual das empreiteiras, assim como ocorre em obras no setor privado – que se baseia na retenção de percentual dos pagamentos mensais da execução da obra e, eventualmente, cobrança de multa por atraso, que funciona muito bem. Trata-se de princípio basilar da execução de uma obra, pois não é de interesse da empreiteira ter sua margem reduzida por falhas operacionais, além de incorrer em maiores custos fixos por ineficiência própria.
Na verdade, estamos falando das maiores empreiteiras do País, que são exportadoras de tecnologia de obras de infraestrutura, com faturamento da ordem de bilhões, com corpo técnico e gerencial composto pelos melhores quadros profissionais disponíveis no mercado de trabalho. Não há porque supor ineficiência, até porque não há racionalidade econômica por trás dessa hipótese. Controle de perda é primordial para a gestão privada, cujo resultado é dependente de sua própria atuação.
Se cabe falar em ineficiência, é muito mais plausível que isso esteja associado a questões inerentes aos processos do próprio setor público como também das próprias características de obras de grande vulto, em que acaba sendo humana e tecnicamente impossível prever a totalidade dos serviços que efetivamente serão necessários, diante dos riscos não quantificados envolvidos. Daí ser da natureza do setor trabalhar com aditivos contratuais para cobrir serviços não previstos inicialmente, diante de riscos geológicos ou de montagem e execução de obras, que podem decorrer de simples reavaliação técnica construtiva, mas que acaba sendo essencial para execução de uma obra – fato reconhecido pelo legislador, que permite a contratação de aditivos, com limites estabelecidos na Lei de Licitações.
Por outro lado, há especialistas que apontam como empecilho a incapacidade de o mercado segurador brasileiro suprir a demanda que seria gerada com a exigência legal de cobertura integral de todas obras públicas no País, especialmente quando envolvem cifras bilionárias. Isso porque o setor securitário opera com base em limites técnicos e operacionais em função do risco assumido, já a partir das diretrizes do Decreto-Lei nº 73, de 1966. Decorre que a capacidade de retenção de risco das seguradoras autorizadas, como função do patrimônio líquido ajustado8, mesmo com operações estruturadas, mostra-se insuficiente nesses casos.

A própria abertura do mercado de resseguros doméstico, em 2007, esteve associada a essa mesma necessidade de contratação de seguros de grandes obras públicas, incluindo os investimentos bilionários no Pré-Sal. À época, já se considerava limitada a capacidade do setor privado de seguros de garantir grandes projetos governamentais – dúvida que ainda é relevante, sendo o percentual de até 30%, e opcional, uma alternativa mais crível, defendida pela Susep na revisão da Lei de Licitações9.Também é considerado viável pelo mercado de seguros, sendo o patamar praticado em países europeus10.
Há, portanto, dúvidas consistentes que questionam a viabilidade e utilidade da criação de novo mercado cativo para o mercado segurador –uma opção que foi afastada quando das discussões da criação da Lei de Licitações – para o fim almejado de combate à corrupção. Seguro constitui tão somente garantia adicional ofertada ao contratante, que encarece a obra pública – reduzindo a já baixa capacidade de investimento do setor público, mais grave para os Estados deficitários e Municípios pequenos já com baixa capacidade de resposta às demandas sociais –, além de, infelizmente, não constituir a panaceia contra a corrupção no Brasil. O assunto envolve uma série de outras questões institucionais, como, por exemplo, o preenchimento dos quadros de direção no Executivo por critérios políticos e não técnicos.
De qualquer forma, de modo similar às propostas de ampliação do seguro-garantia, também seria esperado que a cobertura mais ampla de garantia da modalidade da fiança bancária traga os mesmos benefícios. Isso daria ao Banco o mesmo incentivo para impor o fiel cumprimento dos contratos públicos e reduzir a corrupção, além do benefício adicional de evitar a criação de monopólio legal para o setor de seguros – ainda que sofra de suas mesmas limitações intrínsecas como mecanismo anticorrupção.
Uma alternativa mais crível pode estar na remodelagem da superveniência dos órgãos de controle interno e externo do setor público, já constituídos e com expertise operacional. A adoção de uma solução doméstica, baseada na atuação just in time, e não ex post, da CGU ou do TCU pode ser adequada. A reconfiguração da atuação desses órgãos de controle não apenas apresenta o melhor custo-benefício como também supera o conflito de interesse inerente à introdução de uma seguradora como juiz de contratos públicos. Isso pode ser efetivamente eficiente.
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1 Entre outras, ‘Simples e Eficiente’, Editorial da Revista VEJA, de 13 de janeiro de 2016; ‘Seguro contra atrasos’, reportagem na edição de 20 de janeiro de 2016; ‘Fórmula anticorrupção’. Entrevista com Modesto Carvalhosa, edição de 2 de março de 2016.
2 Do Senador Eduardo Amorim.
3 Do Senador Cássio Cunha Lima.
4 Circular Susep nº 477, de 2013
5 A recente MPV nº 678, de 2015, que reconhece a matriz de riscos como instrumento para estimar o valor de contratação de obra, introduz mecanismo de arbitragem para resolução de disputas no âmbito das contratações públicas, o que reduzirá o tempo de paralisação das obras públicas.
6 Inexiste a possibilidade de contratação de seguro acima do valor (subfaturado) do contrato inicial de execução de obra, que fica atrelado ao seguro – sob pena de enriquecimento sem causa do Setor Público, no caso.
7‘Performance bonds’, artigo de Jairo Saddi, Jornal Valor, edição de 28 de março de 2016.
8 Resolução CNSP nº 321, de 2015.
10 Veja em:

Por Cesar van der Laan, engenheiro, Doutor em Economia (UFRGS), Consultor Legislativo do Senado Federal.


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